sábado, 15 de maio de 2010

re-encontro interior




Larguei-me. Caí.Ainda bem que fi-lo. Cair foi extasiante, bom e saboroso. Fiquei com os punhos em carne viva de tanto me agarrar, agarrava-me com as forças que não conheço, com o desejo que me lacerava em pedacinhos tão ínfimos que, por vezes, o sabor desse desejo era amargo, mas eu persisti. Em ficar agarrada, em permanecer. Cosi a boca, com uma agulha e uma linha que tinha por perto, no quarto escuro, subi para uma cadeira e atei os pés, agarrei o ferro que saía do tecto com determinação e, já com o corpo suspenso, mandei um toque na cadeira que caiu no chao.
Ali estava eu, a suster o peso do meu corpo sem hesitar. Foram dias seguidos, noites seguidas, em que nada se passava e eu ja não sentia os braços nem o corpo que me pertencia. No escuro esforçava os meus olhos a estarem semi-abertos, foram dias seguidos, noites seguidas sem dormir, sem sentir o fisico. Que ideia mais masoquista! Mas eu precisava de anestesiar o involucro, precisava de perder a noção do terreno, precisava de viajar até dentro, o mais profundo da dor fisica, até ao esgotamento.A minha ideia nunca foi matar-me, foi adormecer-me. Se eu quisesse pôr termo a vida não era assim certamente que iria conseguir. Ao adormecer cada músculo cada célula cada átomo do meu corpo, com Dor. De alguma forma sabia, que atingiria o meu interior. Tantas vezes damos mais tempo, mais utilidade, mais credibilidade, ao exterior que o interior definha como uma planta sem alimento. Absorvi-me pelo exterior e só anulando essa parte é que eu chegaria a encontrar o meu eu mais profundo.Dias e Noites, até perder a noção do tempo e do espaço, de quem sou e o que sou, e nessa mistura hibrida de dor, programada/consentida, atingi-me onde queria. Encontrei o que procurava. Deleitei-me e apreciei numa sofreguidão infantil. Conheço os meus limites. Soube que era o momento de largar-me. Se determinasse ficar um pouco mais nesse interior jamais iria conseguir voltar. Caí. Numa queda suave e serena, na qual os breves nanosegundos que demorei a atingir o chão frio e sujo, serviram de ligação ao mundo exterior. De corpo latejante em dores, deixei-me ficar esperando que alguém abrisse aquela porta velha daquele quarto escuro, perdido algures no centro da cidade, junto à foz do rio - também estive na foz de mim.A porta deixava passar os assobios do vento agressivo que se fazia sentir num dia de verão, que fazia inveja a qualquer tempestuoso e rigoroso inverno.Tu, lá fora, procuravas por mim. E eu, cá dentro, esperava agora que me encontrasses.E mais uma vez, tudo está onde deve estar, é a Ordem Celeste a imperar.

Post scriptum - Por favor encontra-me!

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